Não me desconcentrem...

Thursday, March 14, 2013

O Poder do Vício.



Encostado à parede empedrada da Taverna,
Piscando os olhos e estalando a língua,
Pastosa de secura e ávida de líquido,
O bêbedo olha quem passa, sem reconhecer;
Fala sozinho, com um arrastar sonoro
De quem implora atenção à bem-aventurança…
Da fome não se lembra; apenas sede,
“Maldita secura” que o leva ao desespero…
Já não sente o peso do corpo sobre a perna,
Vive do mundo familiar esquecido
Tal como da auto-estima, que era sua,
E já nem sequer tem a mais remota esperança
Da vida anterior, que o futuro lhe pede
Para vencer o vício e o faz desaparecer…
Sempre aparece alguém que o aconselha,
Que lhe leva ao vão das escadas uma mastiga
Quente, um caldo e palavras confortantes.
Mas que fazer se esta sede é tão velha,
A cabeça não tem juízo e o castiga,
Por desprezar a vida que levava dantes?!

Friday, March 08, 2013

Pó da Memória.


Às vezes, quando me sentava no muro,
Pela tarde, depois de fazer os deveres,
Vinha ter comigo Saíde Ooswella, contente
Porque eu dividia sempre a sandes com ele…
Trazia a sua viola artesanal, afinada
No som peculiar para musica ao nosso jeito;
Eu fixava-me no seu dedilhar sobre as cordas
De fio-de-pesca (naylon), que uniam
A lata de gasolina vazia a uma tábua tosca
Da caixa de sabão mainato e ouvíamos
Aquele tom repetido de poucas notas.
Alternávamos com a habilidade a seu favor.
Sorríamos, com inocência e cumplicidade
Sem que o tempo contasse ou tivesse valor!
Divertidos não nos importávamos com o futuro
Porque pensávamos que a vida era encantada,
Que seria assim, igual para toda a gente!
Não era estranho aparecer com as calças rotas,
Depois de procurarmos na sucata alguma roda
Para o carrinho de rolamentos que fazíamos.
Eu e o Saíde, tantas vezes na nossa felicidade
Dividíamos a imaginação num mundo perfeito:
O arame, as latas de leite condensado
E o pau de bambu terminavam num automóvel,
Levando os nossos passos, que na rua se perdiam.
Tenho saudades de um passado inesquecível
Onde eu e o Saíde nos perdíamos por todo o lado.

Friday, March 01, 2013

À distância do "Facebook".


 
Constato que se apregoa muita amizade
Bem descrita e florida nas mensagens
Que me leva a acreditar, ser mesmo verdade!
De repente ei-las muitas e variadas imagens
Que me transportam para o amor, a harmonia
E fico, desumanamente, estarrecido e confuso
Perante o que esconde um monitor algures,
Na solidão ou noutro recato que desconheço;
Creio-me na maior loucura, como mania,
Que o “facebook” serve bem qualquer uso,
Que não se partilha, como outrora, normalmente
Na presença do outro, face ás (des)vantagens
Das cartas, do telefone e do que me esqueço.
Sou utilizador assíduo, quase viciado
E quando passo por um estranho, não ligo
Porque, virtualmente, não é meu amigo;
Não lhe falo sequer, por até estar enganado
E me preocupo mais com a falta de sintonia!

 
Joantago

Tuesday, February 19, 2013

Toda a roseira.


Há momentos que não desejamos,
Que, gostaríamos, nunca acontecessem,
Sobretudo quando nos sentimos bem
Connosco, com os mais considerados,
Como o que nos envolve e agrada:
Aqueles momentos de infelicidade!
Quando nos achámos, nada sabíamos
Do que nos iria acompanhar até ao fim;
Desconhecíamos igualmente o caminho
Por que passaria a nossa existência…
Hoje desejamos, nem mais, que vivessem
Apenas as sombras dos nossos pecados,
Que os infortúnios de tanta maldade
Fossem meras constituições do nada,
Porque na nossa vontade não cabem.
Quem sabe se até, de todo devíamos
Esquecer que há mais para lá da ciência!?
Toda a roseira não dispensa o seu espinho;
Caem-lhe as pétalas, as folhas e mesmo assim
Rebentam novamente no ano que vem…!

 
Joantago

Monday, December 10, 2012

Ser Velho.

Chegar longe pelo caminho mais perto,
Ensinar as coisas a quem já sabe tudo,
Desperdiçar o tempo que não tem significado,
Ter na sua posse tanto, quanto já não importa,
Olhar para trás e encolher resignado os ombros,
Viver o presente, para o futuro ser mais um dia,
Fixar os olhos num ponto indeterminado,
Recordar os nomes num monte de escombros
Ligados á memória de quando se foi miúdo,
Ter dificuldade em saber o que está certo
E achar o vazio ao abrir a última porta...
Não pedir mais que um carinho, com alegria,
Verificar as rugas do rosto ao espelho
E questionar sobre o que, de facto, é ser-se velho!

Friday, November 16, 2012

Consulta virtual.


Consultei o meu Xikwembo durante a noite
Preocupado com a vida que me espera;
Com os acéfalos que me deviam orientar;
Com hipoteca da minha liberdade
Colonizada pela “globalização” insaciável;
Com a destruição inevitável do meu futuro.
Solicitei aos elfes nórdicos (quem me dera
Que o seu poder e a sua existência fossem verdade)
Que me descansassem, neste quadro escuro,
Aparente de terrorismo, para que eu acredite
Em soluções descabidas, que me estão a desorientar…
Encontrei uma vidente, com sotaque germânico,
Que divagou sobre a preguiça, a reclamação,
A irresponsabilidade e a ostentação;
Que me deixou uma mensagem de pânico
E um aviso que não pode ser descurado:
Acorda, levanta-te e caminha sem parar,
Sem olhares para trás, mesmo que te sintas cansado!
Por fim recorri à minha consciência, num apelo
Compulsivo, desesperado, para encontrar
A luz para os meus anseios, para a minha perdição.
Ela disse-me: Esse mistério, gostaria de conhecê-lo!

Monday, November 12, 2012

Encorajar.


Vamos imaginar que temos uma criança

Que quer dar os primeiros passos,

Necessitando, envergonhadamente, de ajuda

E que nós percebemos o seu problema…

O que teremos de fazer para lhe dar esperança,

Para fazê-la saber o quão importante

É a vida que constantemente muda

E que todos já tivemos momentos penosos,

Sem que isso constituísse qualquer dilema?!

Igualmente valioso é o muito ou o pouco

Do que somos capazes e corrermos o risco,

De sermos ”egoístas” ao ponto de não divulgarmos

O que deveria ser partilhado com os próximos!

Se eu não poder ser escultor, pintor arrisco

Pelo menos a dar a conhecer o que pensarmos,

Sermos tudo o que é possível para nos definirmos.